terça-feira, 1 de dezembro de 2009

A história da bicicleta (parte 3)...





Surge o automóvel

Muitas foram as tentativas de criar uma máquina que se movesse por si só, sem a necessidade do uso da força animal ou humana. A maioria das criações foram grandes carroças movidas por motores a vapor que moviam-se com pouca eficiência e não eram nem um pouco funcionais.

A invenção feita por Carl Benz em 1886 é basicamente a adaptação de um motor a combustão num sociável de três rodas. A imensa vantagem desta criação era a leveza, o pequeno tamanho e a simplicidade de funcionamento, qualidades tiradas do que já existia nas sociáveis de propulsão humana e bicicletas.
E a história como sempre se repete: no início o automóvel era uma diversão para pouquíssimos, logo passa a ser popular entre ricos, dá seus primeiros passos como transporte de verdade, até atingir o estágio de produção industrial e a sua conseqüente popularização e transformar-se em transporte de massa e revolução social.
O Ford Model T, lançado no ano de 1908, é o marco do início da produção em grande escala do carro. Era muito mais barato que qualquer outra opção do mercado e ainda assim era acessível para poucos, mas não demorou muito a se tornar popular. Custava 825,00 dólares e já e já primeiro ano foram vendidas mais de 10.000 unidades. Vinha única e exclusivamente na cor preta. A técnica para sua produção em larga escala foi tirada da experiência na fabricação de bicicletas.
Em pouco tempo a história da mobilidade humana seria completamente transformada pela comodidade e rapidez do automóvel.

Grandes guerras

Se na virada do século XIX para o XX os Estados Unidos é um país em construção e tem muito espaço para novidades como o automóvel, a Europa de então vive situação diferente, quando não oposta.
Suas cidades seculares com suas ruas estreitas contiveram o crescimento desenfreado do uso do automóvel. Nelas as distâncias são pequenas próprias para o caminhar ou a bicicleta.
Na maioria das grandes cidades européias o sistema de transporte de massa, com um eficiente sistema de trens, metrô, bondes e ônibus faz do automóvel quase desnecessário. Mesmo assim o automóvel cresce.
A situação da Europa se complica com a I Grande Guerra em 1914 e logo depois com a II Grande Guerra Mundial que deixa os países empobrecidos e com visão de prioridades emergenciais. As economias precisam ser reconstruídas a partir do praticamente zero e qualquer gasto desnecessário é evitado por um bom período de tempo. Todas políticas de redução de custos, racionalização do uso do espaço urbano e de transporte de massa ajudam a posição do uso da bicicleta, que passa então a ser ordenada e planejada, transformando-se até em política de desenvolvimento econômico e social. O ciclismo esportivo a cada ano se torna mais popular o que ajuda muito em todo o processo.
A bicicleta, com o mesmo desenho de quadro que conhecemos hoje, passa a ser o modelo preferido. O biciclo de roda dianteira grande está morto mesmo antes dos 1900. As sociáveis em forma de triciclos ou quadriciclos vão aos poucos sendo substituídas por tandens (dois ou mais lugares para ciclistas sobre uma estrutura estendida de uma bicicleta normal), reboques ou por modelos com "side car" ("carro lateral" - pequeno carro de uma roda que se encaixa na lateral de uma bicicleta normal) provavelmente porque estes modelos necessitam de menos espaço para serem guardados do que um sociável.

Um fato mostra a importância que a bicicleta teve em certos países, em especial nos Países Baixos: os alemães, logo após a invasão da Holanda na Segunda Guerra Mundial, decretam o recolhimento de todas as bicicletas do país como forma de desmobilizar todos os holandeses. Holandeses não perdoam este ato até hoje.


Tempos difíceis

A Segunda Guerra Mundial termina com a Europa arrasada. Se conseguir matéria prima durante a guerra é difícil ou mesmo impossível o que fez algumas marcas desaparecer, no pós-guerra a situação melhora, mas mesmo assim a indústria tem que se adaptar aos novos tempos de escassez e compradores empobrecidos. Produção com processos simplificados e padronização para economia de material, busca de redução de custos necessária, uma nova mentalidade, tudo fará com que a qualidade e durabilidade de todos produtos, incluindo aí a bicicleta, não seja a mesma de antes.
A recuperação econômica da Europa Ocidental se faz com a ajuda dos Estados Unidos e neste contexto a indústria automobilística sai de certa forma fortalecida. A bicicleta só mantém seu espaço porque de outra forma as cidades ficariam imobilizadas.
Quase uma década após o fim da guerra, já com a economia mundial estabilizada, a bicicleta começa a perder espaço para motocicletas, vespas, e outros pequenos veículos motorizados. Como saída é introduzido no mercado modelos de bicicletas com rodas pequenas e ou dobráveis na tentativa de ganhar novos clientes. A idéia era atender tanto homens como mulheres a partir de um único quadro e resolver o problema de guardar uma bicicleta dentro de residências de área pequena que então recebia a geração dos baby boomers.
Em alguns países ou regiões, principalmente nos Países Baixos (Holanda) e Nórdicos, a política de transportes reconhece definitivamente a importância da bicicleta não só como modo de transporte e uso inteligente do espaço, mas elemento de desenvolvimento social equilibrado e auto-sustentável.


O oriente

Os veículos de duas rodas não demoraram nada a chegar ao Oriente. Pouquíssimo tempo depois do surgimento da Draisiana já havia algumas rodando no Japão. Existem várias referências em desenhos e gravuras. É sabido que colonizadores e missionários levaram a novidade também para a China e muito provavelmente Índia.
Desde o primeiro contato com os veículos movidos a propulsão humana de duas ou mais rodas os japoneses sempre lhes deram muita importância. Logo estavam fabricando seus próprios modelos e o interessante é que eram praticamente minhaturas dos europeus, simplesmente para atender a estatura média japonesa, que é bem menor que a de franceses ou ingleses.
Mesmo antes do fim do século XIX já fabricavam bicicletas com excelente qualidade. Em 1892 Eisuke Miyata, um fabricante de armas inicia a produção de bicicletas e partir daí o Japão entrará no mercado mundial de bicicletas, peças e assessórios primeiro fabricando produtos mais simples e alguns de qualidade duvidosa. Depois das guerras, principalmente da Segunda Guerra Mundial, passaram a usar sucata reciclada como material, e acabaram criando modelos interessantes, principalmente em alumínio aeronáutico.
A partir de 1970 passaria a alcançar um excelente nível de precisão e durabilidade e seus produtos se transformariam em referência de qualidade. Se a princípio os produtos eram cópias dos europeus e americanos, com o tempo vão ganhando vida e tecnologia próprias. Dois grande fabricantes viram referência, primeiro a Suntour e depois a Shimano que a partir do final da década de 80 passaria a dominar completamente o mercado mundial de peças de qualidade, chegando a ser responsável por 95% do comercializado.
Os chineses vieram a tomar conhecimento sobre a existência dos biciclos logo após Michaux ter criado a sua derivação de uma draisiana com pedais. Uma missão militar enviada para a Europa em 1866 voltou com a notícia que chegou a ser publicada em jornal local. Mas a cultura local via com sérias restrições tais modernizações e perdas de identidade. As poucas bicicletas que rodaram estavam em mãos de estrangeiros, ricos e prostitutas, estas porque tinham dinheiro e uma vida livre de normas sociais.

O número de bicicletas em toda China foi irrisório durante décadas, e as poucas geralmente se encontravam nas cidades litorâneas ou portuárias, que tinham mais contato com outras culturas. No mais a bicicleta era ironizada ou mesmo ridicularizada. Seu uso começou a ser mais intenso para serviços públicos, policiais ou militares, mas a população civil se manteve longe da bicicleta quanto pode.
Com a Revolução Comunista em
1949 a bicicleta passa a ser incentivada como política de transporte. As pequenas indústrias existentes até então foram unificadas e China passa ser o grande produtor mundial de bicicletas básicas - um modelo feminino, um modelo masculino e uma única cor: preta. As bicicletas são cópias de modelos ingleses produzidos antes da Segunda Guerra Mundial. A princípio toda produção atende praticamente somente ao imenso e sempre crescente mercado interno, mas por causa política externa chinesa é possível encontrar algumas enviadas para países que também embarcaram no comunismo. A produção não dava conta da demanda e conseguir uma bicicleta nova exigia paciência de meses e até anos.
Em praticamente todos países do Oriente a bicicleta acaba exercendo um importantíssimo papel na sociedade. É usada para todos os fins, do transporte individual ao de cargas, as mais diversas e algumas imensas. Não se pode deixar de lado a criação de uma versão como táxi - os rickshaw. É difícil dizer onde os richshaw surgiram, se Índia ou China, mas seu uso é muito comum em toda a região.
A bicicleta é usada em todo o mundo e fabricada em praticamente todos os países que tem parque industrial, mas não resta dúvidas que China, Taiwan e Japão passam a ter um importante papel na história moderna da bicicleta a partir do fim do século XX. Japão primeiro, depois Taiwan passaram a ser a base de produção dos produtos de qualidade do mercado americano, e um pouco mais tarde europeu, que é a base econômica da indústria da bicicleta, peças, componentes e acessórios.


American way of life

Para os Estados Unidos a Segunda Guerra Mundial serviu como alavanca econômica e a definitiva explosão da cultura do automóvel. Sendo um país com área imensa e densidade demográfica relativamente baixa, as distâncias urbanas, interurbanas e interestaduais normalmente são grandes e a forma mais simples e lógica de deslocamento foi sem duvida o automóvel. Mesmo dentro das cidades a bicicleta acaba sendo pouco prática ou em certas situações até inútil porque a cada dia o desenvolvimento urbano se dá nos subúrbios e cada vez mais longe do centro. O uso da bicicleta então tem seus piores dias. Mesmo sua venda para crianças acaba declinando.
O que irá mudar um pouco esta situação é o movimento de contra-cultura da década de 60 e a crise do petróleo no início dos anos 70. É neste momento surge a base do é hoje o movimento pró-bicicleta americano. Todas as culturas alternativas começam a ver a bicicleta como antídoto ao mundo motorizado, alternativa de transporte ecologicamente correto e ideal para uma boa saúde. Aos poucos é estabelecida uma estratégia realista de ação política pró-ciclista com a fundação de entidades que dentre outras ações contratam um corpo de advogados especialistas em transportes e cidades.

No início da década de 70 a Schwinn, maior fabricante de bicicletas americano de então, encomenda uma pesquisa para saber por que a bicicleta é tão pouco usada. O resultado deixa claro que a principal razão é a baixa qualidade da própria bicicleta, seguido pela dificuldade de estacionar e possibilidade de roubo, e só então aparecendo a questão da segurança no trânsito. É possível que esta pesquisa tenha influenciado a revolução da qualidade que viria acontecer nos anos 80. É até hoje esta pesquisa é considerada um norte para quem trabalha com bicicleta.
Mesmo sabendo as razões da crise a indústria não investe no desenvolvimento da bicicleta, peças e acessórios, o que só faz piorar a situação. Dentro do próprio setor a bicicleta era considerada nada mais que um brinquedo. Em vez tentar resolver o impasse os fabricantes americanos tentam chamar a atenção do público através de novos desenhos e soluções estranhas, tornando a bicicleta cada dia menos realista e prática, algumas vezes delirante. Em todo este processo o número de bicicletarias diminui drasticamente e praticamente todas as bicicletas passam a ser vendidas em supermercados e magazines.


bmx

Talvez a única boa notícia naqueles tempos foi o surgimento do BMX, que vai aos poucos se estabelecendo nos Estados Unidos num longo processo desde o lançamento da Schwinn Sting-Ray em 1963, um modelo aro 20' com banco tipo banana e guidão alto, que lembra uma Harley Davidson modificada. Em 1973 a Yamaha lança da Moto-Bike, também aro 20', mas com suspensão dianteira e traseira, e enfeites como um tanque de combustível falso e outros. Os meninos já tinham há muito a prática de "limpar" a bicicleta para usá-la em competições.

Em 1974 surge a primeira publicação especializada e a partir de então o esporte BMX decola dentro e fora dos Estados Unidos. Em pouco tempo se tornará um fenômeno, uma escola muito popular do que há de melhor das técnicas de pilotagem de uma bicicleta. O interessante deste esporte é que sempre esteve ligado à família porque suas competições são direcionadas às crianças e adolescentes que normalmente têm em seus pais os incentivadores, mecânicos, acompanhantes e torcedores. Neste sentido o BMX abre um novo caminho para o uso da bicicleta como esporte e lazer. Ciclismo profissional, que até então era a referência, é praticado por um círculo restrito de apaixonados e fanáticos, fechado dentro de sua própria realidade técnica, quando não bruta. Até a própria bicicleta de estrada estava ao alcance de bem poucos. Para se ter idéia os pneus eram colados ao aro e para concertar um simples furo era necessário descolar o pneu, descosturá-lo, remendar o furo, costurá-lo, para finalmente colar de novo o pneu no aro. A bicicleta para o BMX era e segue sendo um modelo muito básico, de simples manuseio. E entre as crianças tudo era festa.


Triathlon

Não se pode deixar de dar algumas linhas para o surgimento do triathlon, também na década de 70. É uma modalidade esportiva em cuja prova o participante primeiro nada, depois pedala e termina a prova correndo a pé. Seu público é limitado pelo fato que o treinamento necessário requer a disponibidade de muitas horas de treinamento, local e equipamento apropriado, o que custa caro. Mas foi exatamente por seu público praticante, geralmente gente de boa condição social, que uma série de tecnologias novas acabaram sendo introduzidas no mercado.
Sem dúvida, estava aberta a porta para o que viria a ser o fenômeno mountain bike.

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