quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

A história da bicicleta(parte 4/final)...






a nova revolução: qualidade e precisão

Os japoneses, que desde os primórdios da bicicleta tinham indústrias de alta qualidade, perceberam que o mercado internacional, principalmente o americano, poderia ser bom negócio se fossem apresentados novos produtos que tivessem qualidade, precisão, desenho refinado e tecnologia revolucionária que diminuísse sensivelmente a diferença entre o produto profissional e amador; e que fossem vendidos de forma de inteligente e agressiva. Deu certo e surgem Suntour, Shimano, Tange, Araya, só para citar os maiores.
Foi usada uma lógica simples, mas muito inteligente: a bicicleta passaria a receber o mesmo tratamento industrial e comercial de quem faz sucesso, o automóvel. O resultado não tardou aparecer. A pesquisa da Schwinn estava absolutamente correta.
Empresários americanos também perceberam o momento. Desenvolvem novos produtos e fazem contatos com industrias japonesas para fabricá-los, de forma a baratear custos. Mike Sinyard cria a Specialized Bicycles Components, que inicia as operações fabricando pneus para bicicleta de estrada e alguns assessórios, mas que faz história quando passa a fabricar em escala uma bicicleta para uso em qualquer situação ou terreno, a Stumpjumper.
A brincadeira de um grupo pequeno de californianos residentes próximo a São Francisco deixa de ser simplesmente descer as montanhas próximas, para ganhar tecnologia e vida própria. A bicicleta deixa de ser improvisada, limitada e frágil para se transformar em uma máquina robusta, precisa, leve e com uma tecnologia excitante. Em pouco tempo o nome "mountain bike" se torna popular e acaba ultrapassando os limites do esporte e lazer para também se transformar em ótima opção de transporte urbano. Confiável e confortável permite que o ciclista faça o que gostaria de ter feito quando criança. Até mesmo o fato de ter um preço bem mais alto que as de supermercado se transforma em atrativo.
Juntou-se a saudável "insanidade" americana com a qualidade japonesa e a bicicleta estava salva da "extinção". Os europeus gritaram por algum tempo que as horas deveriam ser creditadas ao ciclocross, modalidade que mistura ciclismo, barro e cross-country a pé, mas a verdade o mountain bike derruba nichos de esporte e mercado até então impensáveis. Parafraseando a famosa série de TV "Star Trek" pode-se dizer que o mountain bike acaba "indo audaciosamente onde nenhum homem jamais esteve (com uma bicicleta)"
A venda das bicicletas cresce e em 1986 tem um salto com um aumento de 80%, sendo que destas 35% são mountain bikes. Já em 1989 foram vendidas 7.5 milhões de bicicletas somente nos Estados Unidos. Na Europa, tradicional e com larga história no uso de bicicletas, o mercado que em 1976 era de 2.3 milhões, passa a 4.5 milhões em 1990. Se o mountain bike não é um atrativo especial para os europeus, pelo menos todas as suas melhorias ajuda muito a impulsionar a venda de outros tipos de bicicleta.
E aí é interessante fazer uma comparação entre dois momentos da história. Se na virada do século XIX para o XX é inventado praticamente tudo o que conhecemos na bicicleta de hoje, na virada para o século XXI há introdução no setor bicicletas de tecnologias de ponta, desde a criação de materiais novos para sua construção até o repensar da ergonomia para cada uso específico. Na primeira metade dos anos 90 o uso de programas de computação permite que o peso seja reduzido, chegando a 30% em alguns modelos de competição, isto sem perda de resistência ou durabilidade. A melhoria na qualidade do rodar de uma bicicleta de última geração para modelos fabricados na década de 80 é impressionante.




mountain bike - um aparte

O mountain bike começa a aparecer no final dos anos 70, em Fairfax, norte da California, próximo a São Francisco e vizinho à Marin County. Lá o ciclista Gary Fisher e Charles Kelly, junto com Joe Breeze e um punhado de "garotos" que só queriam usar a bicicleta para se divertir. E nada melhor que descer uma montanha técnica como o Mt. Tamalpais. Com o tempo a brincadeira se transformou em competição. A bicicleta normalmente usada era a Schwinn Excelcior, a mais resistente das "balloners" (bicicleta com pneus bem grossos - 3.2 polegadas), mas pesava 30 libras (22.6 kg).
Com todo este peso era praticamente impossível subir a montanha pedalando. As bicicletas tinham que ser colocadas levadas para o topo da montanha em caminhão. Aos poucos foram sendo modificadas, primeiro com a adaptação de um sistema de freio a tambor e mais tarde com uma relação de marchas para permitir subir pedalando. Não tardou muito para que os primeiros quadros fossem especialmente desenhados e construídos para o esporte.
As descidas no monte Tamalpais foram proibidas em 1984. A trilha foi inutilizada com obstáculos para ter recuperação ambiental.
A partir de 1986 começam as competições oficiais nos Estados Unidos. Sob as regras da NORBA, que dividia os participantes em várias categorias para premiar o máximo possível, o esporte explode. O primeiro campeão é Steve Tilford, campeão no ciclocross. Mais para frente entrará a geração vinda do BMX e então as técnicas de condução foram se mesclando e refinando. Os europeus torceram o nariz para este esporte americano por um bom tempo.
Na mesma época houve uma explosão de usuários urbanos descobrindo que pedalar uma mountain bike no asfalto era muito agradável. Surgem várias publicações especializadas, algumas voltadas para competição, outras para lazer e uso urbano. O interessante é que no geral as publicações americanas têm uma preocupação muito grande não só em informar o leitor, mas em formar os novos ciclistas. É transmitida uma sólida base de princípios que visavam sedimentar o futuro da bicicleta - e de seu mercado. Não tarda muito e aparecem grandes feiras e eventos.
No início dos anos 90 começa ocorrer a segunda revolução que o mountain bike traria: a utilização de tecnologia de ponta para melhorar o desempenho da bicicleta. Como o mercado era grande e com uma parcela boa suficiente para justificar gastos em pesquisa e experiências tecnologias até então impensáveis acabam sendo introduzidas no mercado.
O mountain bike tem o mérito de realizar uma grande mudança no pensar a bicicleta como um todo. Muda praticamente tudo, do projeto do quadro e garfo, peças e acessórios; a visão e utilização da própria bicicleta, e finalmente a forma de aproveitamento social deste veículo secular. Com o mountain bike a bicicleta dobra uma encruzilhada da história e traz de volta as duas rodas para o pesado jogo dos transportes.


bicicletas comunitárias

A primeira vez que se colocou um programa de bicicletas comunitárias disponível ao público foi em 1966 (algumas fontes dizem 1964, outras 1969), quando algumas bicicletas "old dutch" femininas pintadas de branco foram deixadas soltas no Centro de Amsterdam para quem quisesse usá-las. A idéia do "happening" foi de Luud Schimmelpennink, que pretendia que elas passassem de mão em mão e que se tornassem uma opção comunitária de transporte. As bicicletas acabaram confiscadas pela polícia. Luud fez tentativas de institucionalizar o projeto com a prefeitura, mas ouviu um "a bicicleta está descartada; o futuro é do automóvel". Foram realizadas outras tentativas, mas o resultado quase sempre terminava em roubo, como em Cambridge, Reino Unido, em 1975, onde todas desapareceram quase que instantaneamente.
No começo dos anos 2000 a idéia foi retomada em algumas cidades da Europa. Dois sistemas entraram em funcionamento, um na França e Espanha onde a bicicleta fica presa a um bicicletário e o usuário tem que estar inscrito no sistema, e outro na Alemanha onde não há bicicletário e as bicicletas ficam travadas na rua e são liberadas através do de um código.
O sistema francês foi testado com sucesso em Lion, em 1975, e tem em Paris o maior de todos os sistemas existentes com mais de 20.000 bicicletas disponíveis. Sevilha e Barcelona, Espanha tem um sistema com funcionamento muito parecido. O sucesso em Barcelona foi total e 3 meses depois de implantado levou às ruas 70.000 novos ciclistas. Em Paris, no seu primeiro mês de funcionamento havia 1 milhão de inscritos e filas para sair pedalando. As bicicletas tem desenho diferenciado para dificultar o roubo e só podem ser paradas nos bicicletários disponíveis, que estão em média a cada 300 metros. Para usar as bicicletas é necessário pagar uma taxa.
O sistema alemão usa bicicletas mais sofisticadas, com suspensão dianteira e traseira, e sistema de rastreamento por satélite. O modelo é um tanto pesado, mas agradável de usar. O interessante é o projeto do quadro não permite uma condução mais agressiva. A bicicleta pode ser parada em qualquer local, mas é inevitável que se use as duas travas, a ferradura de roda e o cabo para prender em qualquer local de onde a bicicleta não possa ser carregada.
O custo para o usuário de qualquer um destes sistemas é baixo se comparado a qualquer ou modo de transporte. A idéia continua sendo a mesma das bicicletas brancas: estimular o uso da bicicleta de forma a diminuir o uso do automóvel.
Na maioria das cidades da Europa e em várias cidades americanas há bicicletas para alugar. O turismo urbano de bicicleta é cada dia mais comum. Não raro se vê grupos de ciclo-turistas acompanhando guias-turísticos-ciclistas.


projeto coasting e geometria "flat foot"

Vale a pena citar duas grandes revoluções recentes: o Projeto Coasting da Shimano e a nova geometria de quadro criada pela Electra, as "flat foot".
Shimano, a maior fabricante de peças de qualidade do mercado mundial, decidiu no início dos anos 2000 aumentar suas vendas. Para tanto contratou a mesma companhia que criou o iPod para saber o que era de fato o mercado da bicicleta e qual o melhor passo para o futuro. Depois de pesquisas a conclusão foi que só nos Estados Unidos havia 161 milhões de potenciais compradores de bicicletas que se sentiam esquecidos. Desta pesquisa começou a surgir uma geração de bicicletas com câmbio automático, sem cabos aparentes, e de freio contra-pedal. Na Europa o projeto vai um passo adiante e além do câmbio automático gerido por um micro computador, o dínamo instalado no cubo acende os faróis automaticamente ao escurecer, e ainda se fala sobre um sistema de suspensão inteligente.
O outro lado desta revolução que atende um público até agora esquecido é a geometria "flat foot". A idéia é tão simples quanto genial: boa parte dos que tem medo de usar uma bicicleta porque quando estão parados não conseguem apoiar os pés por completo no chão. Na geometria clássica com a altura correta do selim o ciclista apóia só as pontas dos dedos quando parado. A Electra simplesmente deslocou a caixa de movimento central um pouco para frente da linha do tubo de selim, o que faz com que a perna do ciclista fique corretamente esticada ao pedalar e permita que se apóie por completo os pés no chão quando se está parado. Outro detalhe desta nova geometria é que o entre eixos da bicicleta fica um pouco mais longo, portanto o comportamento da bicicleta fica mais estável e lento, o que oferece uma dirigibilidade mais previsível e segura para ciclistas pouco habilidosos. Para completar o pacote, a Electra deu a seus produtos um ar algumas vezes infantil, outras saudosista, e agora um pouco europeu. O sucesso é completo e vem influenciando os grande fabricantes.


o cicloturismo

Desde o início do uso dos veículos de duas rodas, e depois com os sociáveis, já se saía da cidade para fazer viagens ou mesmo passar o dia fora no campo. Cicloturismo, de novo mesmo só o uso da palavra, e mesmo assim é provável que esta não tenha surgido ontem, mas seguramente popularizou-se recentemente.
Há documentação de usuários de biciclos fazendo longas viagens bem antes de 1880. A própria história da "draisiana" cita viagens entre cidades. Mas é com a bicicleta de segurança que as longas viagens ficarão mais comuns, isto porque elas têm uma capacidade muito maior de levar cargas que um biciclo.
Mesmo nos primórdios da bicicleta ir viajar pedalando era uma opção barata, o que acabou sendo um atrativo para muitos de classes sociais mais baixas.
Há alguns relatos sobre viajantes de bicicleta no meio do movimento hippie americano. Há também relatos de pessoas que foram pedalando assistir o Festival de Woodstock. A bicicleta nas décadas que o automóvel imperou foi uma forma de contra-cultura, e fazer cicloturismo uma forma de passear no paraíso.
Durante muito tempo tomava-se conhecimento sobre ciclistas viajantes através de conversas em bicicletarias ou entre amigos. Sair da cidade pedalando era considerado então um ato de total insanidade.
Aqui no Brasil sempre foi muito comum o pessoal fazer romaria em bicicleta, algumas delas duravam dias.

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