quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Ciclismo no Rio Grande do Sul - 1869...

Gosto de bibliotecas! Mais especificamente o produto que elas oferecem do que o seu sambiente físico e, muitas vezes, humano também. Pois foi numa destas visitas que encontrei um livro que fala do ciclismo no Rio Grande do Sul entre 1869 - 1905, quando as primeiras bicicletas chegaram ao pampa. A história é contada por meio de reportagens da época, fruto de um colecionador apaixonado por esportes que acumulou um riquíssimo acervo. O nome do autor: Henrique Licht.
Abaixo, transcrevo um trecho do livro tal e qual se encontra no mesmo.


ANO DE 1869

*Em Porto Alegre, o sr. Dillon, importador de "objectos americanos" já dispunha de velocípedes para a venda, e seu filho Alfredo, em São leopoldo fazia demonstrações na bicicleta para vender o "CAVALO DE FERRO".

*Carta do sr. Adolpho Pompílio Mabilde dirigida ao diretor do CORREIO DO Caldas júnior, publicada na edição de 08/12/1907, na coluna "Sport reminiscencias" por Augusto Sá:

"Em 1869, estava eu em companhia de meu cunhado Pedro Petersen, estabelecido com officina mechanica na então Colonia Santa Cruz, de onde em fins do mesmo anno tive de ir a S. Leopoldo, e foi ahi que então ví pelas ruas o primeiro cyclista que foi o sr. Alfredo Dillon, em viagem de reclames para velocípedes e objectos americanos, com os quaes negociava o velho Dillon (pae de Alfredo) estabelecido em Porto Alegre.
Ahi, vi o tal velocípede que fez furor, pois alguns chegavam a dizer que este homem (o cyclista) – tinha parte com o diabo, porque corria numa machina em que não se via “ninguém puchar à frente ou empurrar atrás”, e que corria ligeiro como o raio, e o peior de tudo era – ter sómente duas rodas – uma atraz da outra! Como a curiosidade era geral, é certo que eu também admirei o cyclista, em posição correcta, montar uma machina desconhecida em geral. Segui-o com a vista e vendo que se dirigia para o vapor BRAZILEIRO, que nesse dia seguia para Porto Alegre, apertei os passos e fui também a bordo, onde pedi licença e algumas explicações ao referido Sr. Dillon, que, muito attencioso, mostrou-me o seu CAVALO DE FERRO. Pelas explicações e pelo meu exame, vi que não se precisava de pactuar com o diabo, para se andar em tal machina, da qual tomei as precisas notas, com o propósito de construir uma imitante, quando voltasse à minha officina em Santa Cruz.
Este 1º velocípede era muito simples. Na frente, uma roda com 90 ctms, e atraz outra menor com 80 ctms de diâmetro, as quaes, feitas de madeira com arco de ferro, para aperto das cambotas, eram bem feitas e leves em relação a resistência. A viga curva, em que havia a sella sobre comprida mola de aço chato, era mássica, de ferro forjado. Assim, o resto da ferragem,, exceptuando a buxa em que girava a GIA, que era de ferro fundido maleável.
Nas manivellas, que eram fixadas directamente sobre os extremos do eixo da roda grande, tinha os pedaes de madeira torneada em fórma de carretéis com os de linha, girando sob espiga de ferro, etc. a pintura era toda de vermelhão, com listras brancas e envernizado. Eram estes, se dúvida, o primeiro velocípede e cyclista que antes de ir a S. Leopoldo andou em Porto Alegre, no referido anno de 1869, e, se não me engano, fui eu o segundo, e meu irmão o terceiro. No mesmo anno, porém, nós fomos o segundo e terceiro em Santa Cruz, porque logo que voltei a minha officina, contei ao meu sócio o que tinha visto, e tanto este como eu, co afflicção apromptamos em pouco tempo um velocípede. Mas que velocípede!... Uma verdadeira machina infernal! As rodas, muito brutas, de angico vermelho, tinham, a da frente, 85 ctms, e, a posterior, 80 ctms de diâmetro. A viga era também de angico e recta.
As ferragens eram, em geral, muito pesadas. Em logar de sella, servia um lombilho velho, etc..,etc. Comtudo, isto serviu para matar o desejo e para ensinar a montar de bicycleta. Nessa machina atrevi-me a andar, de dia claro, em fins de dezembro, no dito anno de 1869, nas ruas de Santa Cruz, onde esta machina infernal foi muito admirada.
Mas não foi sem grandes difficuldades e esfoladelas dos muitos trambulhões, que levei, antes de aprender, que consegui o meu desejo. Por mal dos pecados, esquecendo-me de collocar um estribo que facilitasse montar, ficava obrigado, sempre que tinha de partir, a dar um certo pulo para montar.
Ora isto, para um principiante como eu era, o tombo era certo, e, então, para evitar o tal pulo, servia-me de um companheiro que firmasse a machina, e que me ajudasse ainda no movimento. Mas, mesmo assim, as embrulhadas e os trambulhões não faltavão, principalmente em noites escuras, que eram as horas escolhidas por mim, para não servir de riso a outros, enquanto ensaiava até conseguir o meu fim. Mais tarde, apezar do velocípede já estar um tanto desengonçado o meu irmão Emilio aprendeu também a montal-o regularmente, e, por muito tempo, viajou em dito velocípede, até que, por fim, era preciso pol-o de molho na véspera do dia que devia de servir, com o fim de inchar as madeiras e firmar assim as juntas. Mesmo assim, porém, a cousa bamboleava, fazeno coleios com as cobras, isto é, quando a roda da frente pendia para a direita, e de traz pendia para a esquerda, e vice-versa, mudando de posições bruscamente. Entretanto, depois de construído outro melhor, Fo este abandonado e guardado.
De volta a porto Alegre em 1873, ainda conseguimos (eu e Emilio) o mesmo velocípede do sr. Dillon, cujo typo de machina foi doa poucos objetos salvados do incêndio da referida casa de negócio do velho Dillon.
Essa machina, depois de pequenos reparos, serviu-nos por muito tempo e, enquanto não havia melhores, construímos outras diversas bicycletas (porém já muito melhoradas) nas quaes andamos aqui, em Porto Alegre, até ao anno de 1886. Estas, porém, abandonamos, também naquelle anno, porque as novas que tinham vindo da Europa, já em 1895, eram mais leves e muito mais perfeitas. Noto, porém que não andamos seguido todo este tempo de bicycleta aqui em Porto Alegre, por termos andado, muitas vezes de viagem fora do Estado etc.
É esta sem duvida a verdadeira historia da 1º perpetração cycloviaria em Porto Alegre.”


Abraços...

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